domingo, 21 de junho de 2009

O QUE SIGNIFICA SER “EVANGÉLICO”
Apparecido Alciso Maglio
(Publicado no Luz nas Trevas, maio de 2008-09-22)
Atualmente se diz que o cristianismo está diminuindo no hemisfério norte e crescendo no hemisfério sul. Nos países de tradição protestante, na Europa, a freqüência regular à igreja vai de 3% a 13%; nos Estados Unidos 38%. Nos países de tradição católica se conta 56% na Irlanda, 54% na Polônia, 32% na Itália e demais países a taxa é baixa também.[1] Com o aumento da secularização, essas taxas tendem a diminuir. O crescimento se dá principalmente na África, América do Sul e Ásia, devido o crescimento de evangélicos, especialmente pentecostais.
Podemos dividir o cristianismo hoje em quatro grandes grupos: 1) As Igrejas Católicas Orientais (Ortodoxa, Copta, Armênia, Síria, Maronita, etc.), ligadas ao ecumenismo católico romano, mas com liturgia diferenciada e administração independente; 2)Igreja Católica Romana que modernamente segue o Concílio Vaticano II, orientada pelo Vaticano através do Papa; 3)Conselho Mundial de Igrejas que reúne as Igrejas Protestantes Históricas e algumas das chamadas Igrejas livres, fundado em 1948, com sede em Genebra, Suíça; 4) O Movimento Evangélico Mundial que pretende ser orientado pelo chamado Congresso de Lausanne (Grandes Congressos de Lausanne, Suíça, 1974 e Manila, Filipinas, 1989) que tem atrás a Associação Evangelística Billy Graham, nos Estados Unidos[2] e gente famosa como o teólogo evangélico (do clero da Igreja Anglicana – Inglaterra) John Stott, que é reputado como expoente máximo da teologia do movimento de Lausanne.[3]
Mas o que significa ser evangélico? No tempo da reforma protestante parece que o termo foi usado dentro do dualismo teológico: obra da lei/fé, lei/evangelho. Parece que o termo Igreja Evangélica era usado em oposição à Igreja Católica Romana. Até hoje, pelo menos no Brasil, temos a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, que vem da Igreja Luterana trazida pelos imigrantes alemães. Quando vieram as igrejas de missões, vindas dos Estados Unidos e Europa é que se apega ao nome evangélico. Daí muitas igrejas como batistas, pentecostais e outras, levarem até no título “Igreja Evangélica ...”. De onde vem esta denominação, influência da reforma protestante? Talvez em parte. Mas o nome evangélico ganhou destaque por causa da posição teológica dentro do próprio protestantismo, principalmente nos Estados Unidos. Em conseqüência do racionalismo e iluminismo do século XVIII, já no início do século XIX, começa o criticismo histórico na teologia bíblica resultando no liberalismo teológico que vai ofuscar a idéia de revelação, de transcendental, de milagres nas Escrituras, principalmente com os teólogos protestantes europeus. Houve uma reação conservadora. Nos Estados Unidos as igrejas até começaram a rejeitar pastores formados em Seminários. Começaram a surgir os institutos bíblicos fundamentalistas para formar pregadores. Esta reação conservadora ficou como uma ala atrasada intelectualmente nos meios teológicos nas igrejas históricas. Com o tempo essa ala começa a crescer e ganhar novamente posição no meio teológico e fundam-se seminários de linha teológica conservadora, como por exemplo a fundação do Seminário de Princeton em 1811 que mantinha a defesa da infalibilidade das Escrituras, contra os críticos. É essa linha teológica conservadora que passa a se chamar de evangélica. Daí o nome evangélico, não se trata de fazer oposição católico/evangélico, mas a posição conservadora contra a liberal dentro do próprio protestantismo. Esta luta continua até hoje nos Estados Unidos e chega a influir na política e na eleição até de presidente, pois para o lado aonde pendem os evangélicos pode decidir uma eleição. Note que não se trata de protestante quando se fala evangélico nos Estados Unidos, porque a maioria é protestante mas não é considerada evangélica. Esta mesma posição há nas igrejas chamadas “livres” na Europa. Esta posição mantém a ortodoxia do protestantismo antigo da reforma, sobre a doutrina.
Em 1923 foi fundada nos Estados Unidos a Aliança Evangélica Mundial que vai resultar no Congresso de Lausanne em 1974 (referido acima).[4] O movimento evangélico a partir dessa organização passa a defender uma missão com ênfase no salvacionismo (salvação espiritual) que passa a nortear missões em todo o mundo, em contraposição ao Conselho Mundial de Igrejas que tendia para o aspecto mais social de missão. O movimento de Lausanne, passou a enfocar o aspecto “Holístico” de missão – a salvação que atinge o ser humano total, sua vida espiritual e o corpo, significando que também deve fazer uma evangelização que inclua a “ação social”, visando o ser humano como um todo, física e espiritualmente. Como a palavra “evangélico” no Brasil se desenvolveu para um sentido que significa “protestante”, isto é, qualquer cristão não católico, os evangélicos da linha de Lausanne, representados no Brasil principalmente pela ala brasileira da Fraternidade Teológica Latino-americana, passou a usar o termo emprestado do inglês “evangelical”. Com isto pretendem fazer diferença entre “evangelical” e fundamentalista, por um lado, porque entendem que o fundamentalismo é uma leitura literalista da Bíblia, sem levar em conta o aspecto histórico-gramatical na exegese bíblica e, por outro lado, do puro social da missão.
Há um grupo no meio “evangelical” que pretende que se deva tomar alguma medida para definir realmente quem é “evangélico” no Brasil, por que entendem que muitos movimentos classificados como evangélicos, ditos neo-pentecostais (como Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça, Igreja Renascer em Cristo etc.) estão longe da doutrina da Reforma Protestante em suas práticas e ensinos. O problema surge quando vai-se fazer a linha divisória para classificar as muitas diversificações, por exemplo: onde classificar a Igreja Deus é Amor? Onde classificar tantos grupos que se formam e aparecem na mídia e proliferam nas periferias das cidades; muitos com nomes esquisitos como por exemplo, “Cuspe de Cristo”?
Surgem sempre outros grupos e divisões mesmo dentro do meio evangélico histórico, às vezes, com pretensões renovacionistas, outras vezes por discórdia de lideranças. Há muitas igrejas com lideranças dominadoras que até passam de pais para filhos e muitos descontentes saem para formar seus movimentos com a mesma tendência “coronelista”. Pregam contra a organização papal da Igreja Católica Romana, mas cada um quer formar o seu movimento onde se tornam “papas”, cada qual quer comandar o seu pedaço, e o pior, sem o Concílio de Cardeais e Bispos que há na Igreja Romana. O pior ainda é que as massas que afluem para as igrejas não recebem a formação ética que antigamente caracterizava a conduta evangélica. Não me refiro somente aos escândalos de lideranças, mas o comportamento do dia a dia dos que se professam “evangélicos”. Isto tem levado muitos a dizerem que não querem mais ser evangélicos e pessoas sérias a mostrarem seu descontentamento. Eu me coloco entre estes. Há mais de 50 anos permaneço membro da Igreja onde fiz minha profissão de fé, da qual fui por 3 vezes pastor, por mais de 40 anos professor no Seminário Batista Independente, mais de 10 anos professor na Faculdade Teológica Batista e 5 anos lecionei no Seminário Presbiteriano, todos em Campinas. Vim de família Católica, estudei em Seminário Católico, ajudei muita missa em Latin; quero permanecer na fé reformada, mas queria trocar o nome “evangélico”, mas como?



[1] Revista Ultimato, setembro/outubro de 2007, pg 19
[2] Tony Lane, Pensamento Cristão, Vol.2, pg 99,100, Ed. Press Abba, S.Paulo, 1999.
[3] Luiz Longuini Neto, O Novo Rosto da Missão, Editora Ultimato, Viçosa, 2002, pg 75
[4] Luiz Longuini Neto, O Novo Rosto da Missão, Editora Ultomato, Viçosa, 2002, pg 27.