terça-feira, 15 de dezembro de 2009

SEMINÁRIO TEOLÓGICO BATISTA INDEPENDENTE - CAMPINAS-SP
Cerimônia de Formatura em 12 de novembro de 2009 – Turma João Morelli

Discurso do Paraninfo : Apparecido Alciso Maglio
(A matéria é mais ampla que o conteúdo pronunciado na cerimônia)


Prezado Diretor, colega Pr. Narcy Wutzki, prezado diretor Administrativo Pr. Florivaldo Viana de Oliveira, Pr. Bertil Ekström, representante da diretoria, caros formandos, caros irmãos e amigos dessa platéia, graça e paz.

Comentário inicial

Em primeiro lugar, quebrando o protocolo, quero dizer que estes meus alunos em 4 anos de aula estão tendo o prazer, ou o desprazer de me ver pela primeira vez de terno e com a estola pastoral – a gravata. É uma roupa chinesa dessa de carregação cujo valor é de cerca de 100 reais, mas em todo caso estou me sentindo bem melhor do que nas outras formaturas com todos os aparatos acadêmicos de beca que me pediam para usar nas outras formaturas. É um prazer ser o paraninfo desta turma depois de 8 anos consecutivos como patrono das turmas.

Ao pensar neste momento consultei a minha memória e me veio um texto que um grande líder batista usou numa das Igrejas desta cidade. Este texto foi:

Pv. 29.18: “ Onde não há profecia, o povo se corrompe; mas o que guarda a lei esse é bem-aventurado”.

Introdução
Nosso objetivo aqui é mostrar que a Igreja tem uma missão profética, a começar pela linha profética do Antigo Testamento passando pelos acontecimentos e literatura do período interbíblico, a retomada nos Evangelhos e período apostólico. Mas atualmente esta missão está sendo esquecida pelas chamadas Evangélicas. Precisamos nos levantar em nossos dias com a voz profética. Que o Espírito de Deus nos inspire. Tarefa difícil numa época de consumismo e materialismo. Que Deus assim nos ajude.

I - MOVIMENTO PROFÉTICO EM ISRAEL
Israel teve um grande movimento profético em três etapas. Havia profetas em outras nações e religiões antigas, mas o movimento profético em Israel foi disparadamente inigualável. Seus discursos passaram séculos sempre atualizados. Em geral se pensa que profecia é predizer o futuro. Se bem que o aspecto preditivo esteja presente na profecia, devemos em primeiro lugar compreender que o profeta era pessoa histórica e falava dentro da história, falava ao povo de sua época, em primeiro lugar. Após o exílio babilônico cessa a profecia com os últimos profetas escritos: Ageu, Zacarias e Malaquias. Após esse período já não havia mais rei e nem profeta em Israel. A nação passa a ser governada pela casta sacerdotal cujo poder religioso-político se estende até o tempo de Jesus e da Igreja Cristã Primitiva.

1 – Período sem profecia
A voz profética cessou por 400 anos. Salmo 74.9 caracteriza bem essa situação: “Não vemos mais as nossas insígnias, não há mais profeta; nem há entre nós alguém quem saiba até quando isto durará.” Foram anos terríveis, porque após a morte de Alexandre, o Grande, seu enorme reino fora dividido entre os seus generais. Uma dessas divisões foi o Egito, governada pelos Patolomeus, e outra, a Síria, governada pelos Antíocos. Antíoco IV invadiu a Judéia e profanou o templo, impondo terrível idolatria ao povo. Houve uma grande revolta liderada por um sacerdote Matatatias. Ele e seus filhos lideraram a resistência, dominam o invasor e impõem a restauração e a ordem (cerca de 170 a.C.).[1] Daí começa a chamada dinastia dos Macabeus, que vai-se chamar dinastia Hasmonéia. Era da linhagem sacerdotal.. Em I Macabeus 4.46, Judas Macabeu derrota o inimigo, purifica o templo e estabelece sacerdotes e o texto completa: “ até que aparecesse um profeta e resolvesse a situação”. Quando Judas Macabeu morre o povo se corrompe e os sacerdotes e o povo judeu colocam seu irmão Simão no governo e o texto completa: “até que surgisse um profeta legítimo”, I Macabeus 9.27; 14.41. Eles esperavam a vinda de um profeta que salvasse a nação, certamente o que está em Dt 18.15, um profeta como Moisés. A idéia era também que o Espírito se retirara, isto é, tinha- se apagado, extinguido. Esta idéia reflete no Novo Testamento quando Paulo diz: “não extingais o Espírito”, I Ts 5.19. A idéia central era que antigamente no tempo dos Patriarcas o Espírito que havia na criação do mundo permanecia sobre todos, mas com o pecado e a rebelião de Israel, especialmente na adoração do bezerro de ouro, o Espírito se apartou do povo, ficando apenas nas funções dos ungidos: profetas, sacerdotes e reis. Por fim o Espírito se apagara.alogo após o exílio não havia mais reis, só profetas e sacerdotes. Mais tarde não havia mais voz profética porque o Espírito se foi.[2]

2 – A esperança da vinda do grande profeta
. A esperança estava na vinda do profeta, conforme Dt 18.15. O Espírito retornaria nele e ele o daria a todos, conforme vemos na profecia de Joel 2.28,29: “derramarei do meu Espírito sobre toda a carne”. Ezequiel também fala da efusão do Espírito e ainda do Espírito vivificante no vale de ossos cecos, Ez 37, querendo dizer a ressurreição de toda a nação que estava derrocada.

II – NO NOVO TESTAMENTO A PROFECIA RECOMEÇA

O Novo Testamento assume que todas as promessas do Antigo Testamento se cumprem em Jesus. Cristo. A mensagem é caracterizada pela promessa do Espírito Santo, Lc 24.49; At 2.38,39, que passa a ser dada a todos.

1- João Batista
Pelo que entendemos, no Novo Testamento, a linhagem profética começa com João Batista. Jesus disse que não há profeta maior que João Batista, Lc 7.28. Ele foi o último profeta na linhagem vinda do Antigo Testamento: “A lei e os profetas vigoraram até João”, Lc 16.16. Zacarias, o pai de João Batista era da linhagem sacerdotal, Lc 1.5,8. Portanto, João Batista era da linhagem sacerdotal também, mas em sua maioridade, ao invés de ir para o templo, ele estava no deserto onde lhe veio a palavra profética, Lc 3.1-2, isto tudo bem colocado historicamente por Lucas. Por quê? Porque a glória de Deus não habitava mais o templo em Jerusalém nas lides sacerdotais. João não assume o sacerdócio, mas sua função profética, no deserto pregando o batismo de arrependimento, porque o tempo já havia chegado, Mt 3.1-2. Ele disse que batizava com água mas após ele viria aquele que batizaria com Espírito e com fogo, Mc 1.8.

2 – Em e com Jesus volta o Espírito
Quando Jesus veio e foi batizado por João, dizem os evangelhos que o Espírito veio sobre ele e a voz do Pai soou do céu: “Este é meu filho amado em quem me comprazo”, Mt 3.17. João Batista, consciente que este era aquele que traria de volta o Espírito, fez questão de testemunhar afirmando categoricamente: “Eu vi o Espírito descer sobre do céu... em forma de pomba e repousar sobre ele”, Jo 1.32. Jesus começa seu ministério na Sinagoga de Cafarnaum, impelido pelo Espírito e lê o texto de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois que me ungiu para pregar boas novas aos pobres, enviou-me para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”, Lc 4.18,19.
Jesus nunca atribuiu a si o título de Messias, mas não negou quando alguém o considerou Messias. Ele preferiu atribuir a si o título de Filho do Homem e se identificou mais com o profeta sofredor e o servo sofredor de Isaías 53. Confira Lc 13.32,33.

A partir disto Jesus é o doador do Espírito Santo. No grande dia da festa em Jerusalém, ele disse: “quem tem sede venha a mim e beba” Jo 7.37. E o texto completa: “Ele disse isto referindo-se ao Espírito Santo que haveriam de receber os que crescem nele” Jo 7.39. Depois da ressurreição ele soprou sobre os discípulos e disse: “recebei o Espírito Santo”, Jo 20.22. O derramamento do Espírito é representado por Lucas de modo universal no dia de pentecostes, At 2. Começara a era do Espírito novamente e a missão profética da Igreja.



3 - A Igreja, no Espírito, continua a missão profética
Desde então a Igreja é corpo de Cristo e Paulo diz: “todos nós fomos batizados com um mesmo Espírito para dentro de um só corpo”, I Co 12.13. Pelo poder do Espírito a Igreja tem o poder de Deus com uma mensagem profética para o mundo, embora tenha havido momentos da história, como o que vivemos atualmente, que se desvia quase que inteiramente dessa tarefa. Em I Pe 2.9 ele sita o texto referente a Israel no A.T. , aplicando-o a Igreja: “mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz”. Aqui a função sacerdotal é convertida em missão profética: “anunciar as virtudes”.

Claro que há ainda um sentido sacerdotal na vida do crente. A carta aos Hebreus fala que Jesus, pelo sacrifício eterno, entrou no interior do véu, isto é, na verdadeira presença de Deus, abrindo o caminho para que nós tal qual sacerdotes possamos ter entrada também, abrindo o caminho sem a intermediação de um sacerdote terreno. Todo crente tem este acesso diretamente. Neste sentido podemos interceder pelos outros e uns pelos outros, I Tm 2.1-4; Tg 5.12. Foi isto que os reformadores do século XVI chamaram de “sacerdócio universal do crente”, abolindo assim o sacerdócio romano de onde saíram. Mas isto quer dizer que todos os crentes são sacerdotes. Esta função não existe mais como um cargo ministerial, é para toda Igreja, todos os membros, de acordo com a maioria da reforma protestante.


III - TAREFA PROFÉTICA NUM MUNDO CONTINGENTE

Outro assunto que precisamos ensinar é que vivemos num mundo contingente, que não sabemos o que possa nos acontecer, se mal ou bem nos aguarda o dia seguinte, a hora seguinte e até mesmo o minuto seguinte. Não adianta achar que Deus esteja a cada momento mergulhando na história da existência humana para guardar os crentes de tudo o que possa acontecer. O ser humano foi criado com inteligência e liberdade para conduzir a sua vida e não um robô teleguiado por Deus. Portanto estamos sujeitos a acontecimentos e surpresas que acontecem no quotidiano.

1 – O Crente está sujeito a problemas como os demais no mundo
É lógico que o crente fiel com sua vida fora do crime, dos vícios, dos roubos etc. evita muita coisa desagradável em sua vida, mas em muitas coisas ele está sujeito como os demais cidadãos. É falso pregar que somos protegidos dentro duma redoma, imunes de todos os males. Ouvi alguém dizer: o pastor estava no avião acidentado e morreu; o pai de santo chegou atrasado no aeroporto e foi salvo”. E daí? Quem disse Deus não estava com o pastor? Não nego que há ocasiões em que há uma intervenção visível do sobrenatural. O milagre tem sua importância na vida da Igreja, mas não é o normal do quotidiano. Quem acha que sua fé só precisa de milagres constantes para permanecer, já não quer viver por fé mas por vista e a Bíblia diz que “o justo viverá da fé”, Rm 1.17. Devo viver por fé mesmo que os contra-tempos aconteçam; mesmo que tenha que morrer pela fé. Que falar dos mártires, especialmente os lançados às feras no coliseu de Roma, por ordem de imperadores? Que dizer dos heróis da fé de Hebreus capítulo 11, onde diz que uns pela fé escaparam ao fio da espada e outros pela fé caíram ao fio da espada? Veja Hb 11.34,37.

O fato é que o ser humano vive diante do medo, ninguém se livra dele e o maior medo é o da morte. No site http://www.cpflcultura.com.br/ todos podem assistir os vídeos das conferências. Vejam os que tratam da agenda do medo. Num deles o filósofo e psicanalista Felipe Ponde, diz que todos estamos numa nau que vai naufragar e a pessoa para poder lidar com inteligência com essa situação é se conscientizar que a nau vai mesmo ao fundo; este é o princípio para poder encarar a vida. É isso que ensina o existencialismo (fundado pelo crente Soren Kierkegaard). Esta filosofia que dominou no século passado (século XX), diz que devemos encarar a vida em sua realidade e nos lançarmos sem reservas ao futuro para que possamos ter um viver autêntico. O problema é: como fazer isto?

2 – A vida da fé nos leva a uma vida autêntica
A vida cristã tem a resposta. A Bíblia diz que Jesus já venceu todos os poderes satânicos deste mundo, inclusive a morte. Paulo diz: "Já estou crucificado com Cristo e vivo não mais eu mas Cristo vive em mim e a vida que agora vivo, vivo-a na fé do Filho de Deus”, Gl 2.20. E mais: “se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele”, Rm 6.8,9.10. “Porque se vivermos, para o Senhor vivemos; se morrermos para o Senhor morremos. Portanto, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor”, Rm 14.8.

Não foi isto que o próprio Jesus disse? “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz siga-me, porque qualquer que quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas qualquer que perder a sua vida a salvará”, Lc 9.23,24. Entende-se: para viver é preciso morrer. Por que eu devo viver escravo do medo dos acontecimentos deste mundo que no final desemboca no medo da morte, se eu já morri? Já morri; não preciso temer mais nada. Com isto somos vencedores e encaramos a vida vitoriosamente, porque agora vivo na fé em Jesus Cristo, como diria na linguagem da filosofia existencialista: já me entreguei sem reservas ao futuro e passo viver uma vida autêntica.

IV - A MISSÃO PROFÉTICA É TAMBÉM VOLTADA PARA A SOCIEDADE.
Vivemos num mundo individualista. Cada qual vive sua vida isolada buscando seus interesses, sem se importar nem mesmo com o visinho. Aliás, nas grandes cidades muitas vezes não se conhece o morador do apartamento em frente. Se em frente de nossa casa ouvimos ou percebemos movimento noturno de pessoas tendo algum problema ou sendo assaltada, abrimos um cantinho da janela para ver. Sair para prestar ajuda nem pensar. É perigoso se envolver. Há algumas décadas atrás, toda vizinha saia para saber o que estava acontecendo e se preciso prestar ajuda. O fato é que hoje somos uma sociedade individualista, não temos mais sociedade comunitária. Não é assim na igreja? Cada qual vai à igreja uma vez por semana buscar a sua bênção e ninguém mais sabe da vida um do outro; não há comunidade – vida comum. Só pensamos em nós e achamos que não temos nada a ver com o mundo que nos cerca.
Digo isto para chamar a atenção para o fato que a Igreja tem uma tarefa voltada para o mundo, para servir mesmo a sociedade total. Um púlpito rico da palavra de Deus haveria uma autêntica mensagem da graça de Deus como os avivamentos de Wesley que abalou e mudou a Inglaterra, os movimentos da reforma e avivalistas na Suécia, na Noruega e outros países da Europa, embora o povo nesses países sejam atualmente secularizado e nem vão mais à igreja, mas desfrutam ainda o que o evangelho fez naquelas terras e tem instituições e cidadãos onde se nota um mínimo de corrupção. Aí sim causaríamos impacto na nossa sociedade e causaríamos transformação na sociedade. Mas até agora não servimos para nada; se nossas igrejas fossem embora de seus bairros dum momento para outro, a população não acharia nenhuma falta, porque são poucas as igrejas que trazem de fato benefício para a população, exceto algumas obras sociais para representar.

1 – Algumas bases Bíblicas da Ação Social
A nossa tarefa como missão profética ao mundo tem suas origens no Antigo Testamento é voltada para o social como Isaías, Amós, Miquéias e outros. Um verso em Miquéias 6.8, sintetiza isto: “o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a beneficência, e andes humildemente com o teu Deus?”

O texto do evangelho traz muitas referências aos pobres. Fala com especialidade da evangelização dos pobres e atendimento aos necessitados. Paulo levantou muita oferta para levar aos pobres de Jerusalém numa época em que as coisas estavam difíceis por lá, I Co 16.1-4; II Co 8..1-6; 12-15; A pregação de João Batista era de justiça social, Lc 3.10-14. Maria em seu cântico, Lc 1.52,53;
A carta de Tiago 5.1-5, especialmente o verso 4: “Vede o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos que por vós foi retido com fraude, está clamando contra vós”. Na Palestina já no tempo de Jesus havia muita luta social dos camponeses. A maior parte deles havia perdido suas terras por causa de impostos pesados, que além de pagar os impostos do templo, tinham que pagar imposto pesado aos romanos e grande parte de seu trabalho era para sustento do exército romano, veja Lc 8.33 (os porcos era sustentar o inimigo, os judeus não comiam carne de porco). Por causa da dívida suas terras eram hipotecadas e a escrituração ficava no templo, dirigido pelos sacerdotes associados aos romanos, de modo que o templo era o banco central. Com o tempo a revolta chega a Jerusalém, eles expulsam os romanos e vão lá destruir aquela escrituração, até que em 70 d.C. os romanos tomam outra vez Jerusalém destruindo-a. [3] A carta de Tiago está refletindo este tempo.

2 – Exemplos dos primeiros séculos do Cristianismo
Alguém poderá dizer: mas os apóstolos não pregaram isto. Eu respondo que esta é uma visão distorcida do evangelho. Vou citar outro autor e este é um sociólogo: Rodeney Stark; sua obra: O Crescimento do Cristianismo.[4] Nessa obra ele contesta a visão histórica de que o cristianismo só cresceu em grande escala quando Constantino se torna imperador romano e adota o cristianismo. Ele afirma o contrário: que Constantino adota o cristianismo porque se tornou evidente na época que só o cristianismo salvaria o império. Vejamos porquê. Ele elabora tudo com amplo material histórico e números estatísticos, como um bom sociólogo praxista americano. No ano de 165 d.C. houve devastadora epidemia que durou tempo e que morreu um quarto da população do império, inclusive o bom imperador Marco Aurélio. Nessa época as pessoas morriam e eram deixadas nas estradas; as famílias se livravam dos membros doentes, abandonando-os mesmo antes da morte, com medo da contaminação. Os cristãos cuidaram de seus doentes e de outros vizinhos porque eles acostumados que estavam a enfrentar torturas e martírios, e com isso, tinham mais coragem de enfrentar situações de perigos e de morte. Além disso tinham o organismo mais resistente não só por sua fé, como tinham uma dieta alimentícia mais saudável, sem os vícios que atingiam a população em geral. Não só morriam menos mas mostravam o poder de sua fé e isto fez com que o número de cristão crescesse. Outra epidemia aconteceu no ano 250 d.C. e a história se repete de modo mais amplo. Além disso os cristãos herdaram dos judeus os costumes saudáveis. Por exemplo: no império havia escassez de mulheres, por que era permitido por lei matar as meninas que nascessem ou os meninos com defeito físico. Além disso as práticas de abortos por métodos grosseiros, não só impedia o nascimento como grande parte das mulheres morriam. Calcule se o aborto corre riscos em nossos dias, que se dirá em se falando daquele tempo. Além disso, grande parte de romanos preferia ficar solteiro a ter que enfrentar dificuldades de relacionamento conjugal. Pasmem: Rodney mostra isto tudo documentado. Isto gerava uma crise que as terras do império não tinham quem as cultivasse. As autoridades tinham que trazer os chamados bárbaros de fora dos limites do império e dava-lhes terras para que houvesse alimentos. Então, enquanto a população de pagãos diminuía drasticamente, a cristã aumentava com mais saúde. Daí que Constantino achou que só os cristãos poderiam salvar o império. Então vemos que foi o contrário: porque o cristianismo crescia com população mais saudável e corajosa que leva o imperador a adotá-lo e não que só cresceu depois de apoiado pelo império. É verdade que depois a população é cristianizada e aumenta muito, mas a constantinização trouxe sim o enfraquecimento do cristianismo.

3 - A influência da Reforma Protestante e movimentos conseqüentes
Não nos esqueçamos dos movimentos reformadores protestantes, principalmente na educação, e os movimentos populares de avivamento que surtiram efeito em países europeus. A reforma protestante desde o início incentivou a educação, o desenvolvimento social e científico nas nações. Depois o movimento pietista que começa na Alemanha, onde contribui até para a reforma agrária há mais de 100 anos. Este movimento pietista repercutiu em vários países sem sair da igreja oficial. O movimento Wesleiano que não somente levou a mensagem espiritual, mas o atendimento social e juntamente com políticos comprometidos com o social levaram a criação de leis justas para beneficiar a população, transformou a Inglaterra. Diga-se também que o puritanos, no que pese suas falhas e a criação de chacotas contra eles por seus adversários, levou a cosmo-visão calvinista de mundo levando progressos sociais a países da Europa e América.

4 – Tempos iniciais do Protestantismo Brasileiro
O protestantismo brasileiro inicial foi de imigração, principalmente alemães, ingleses e mais tarde americanos. Os missionários começaram a chegar nos rastros dos imigrantes. Houve época que deram muita ênfase à educação e muitas figuras importantes passaram por escolas de missões protestantes, em todos os níveis até o superior.
Eles pensavam atingir a elite brasileira com a educação e trabalho de atendimento à população.[5] É interessante uma obra escrita em 1938 por Eduardo Pereira de Magalhães, sobrinho do Pr. Carlos Eduardo Pereira (um dos fundadores da Igreja Presbiteriana Independente, 1906, que também foi um grande gramático da Língua Portuguesa). Cito aqui trechos de sua obra de 1938: “A juventude pode, primeiramente, colaborar com todo movimento beneficente das igrejas, enviando recursos e fazendo trabalhos especiais nos orfanatos, hospitais, asilos, sanatórios, albergues, restaurantes para pobres, abrigos, etc.etc. (pg 87). “Poderá também enviar e manter uma enfermeira por sua conta, prestando valiosíssimo auxílio, ou fazer obra de mais vulto, trabalhando para construir um pavilhão, ou comprar um aparelho de Raio X, etc. ...Achamos que ao lado de cada igreja devia haver uma escola paroquial e um posto de assistência de serviço social para ministração da caridade e socorro aos pobres.” (pg 88)Ele fala ainda nesta mesma página da igreja de Bebedouro, interior de São Paulo, que abriu uma porta para atender crianças pobres dando-lhes leite e que a cidade toda se interessou e a população em geral e pessoas ricas, se ofereceram para ajudar com recursos e doação de remédios. Um médico crente ofereceu seu serviço gratuitamente. Assim atendiam cerca de 60 pessoas por dia e isto que na época a cidade era pequena.[6] Lembrei isto para mostrar o interesse social que havia na evangelização daquele tempo.

V - A MISSÃO PROFÉTICA É PARA O PRESENTE E O FUTURO

Aqui chegamos em outro ponto da mensagem profética da igreja. Muitos dizem que não temos que nos preocupar com o mundo porque ele vai de mal para pior; o que temos que fazer é preparar a igreja para o “arrebatamento” e chamam isto de escatologia (doutrina das últimas coisas). Mas eu chamo isto de escapologia. Aqui me lembro do teólogo mais conhecido hoje (vivo ainda veio ao Brasil no ano passado e está para voltar) por protestantes e por católicos. Falo de Jürgen Moltmann. Tive prazer de assistir a suas conferências.[7] Foi prisioneiro de guerra na 2ª guerra, na Inglaterra e Bélgica. Nesses anos ele viu nos prisioneiros quanto vale a esperança na vida humana. Ele que era um agnóstico, teve no dizer dele um encontro com Deus através de Jesus Cristo, lendo uma Bíblia que um capelão inglês lhe dera. Quando volta para Alemanha alguns anos após a guerra, faz teologia, torna-se pastor. Sua obra mais famosa foi Teologia da Esperança. Escreveu também O Deus Crucificado. Em teologia da Esperança ele diz que a minha escatologia deve nortear o meu presente. Se eu tenho uma escatologia dum futuro reino de Deus glorioso, então deve começar a construir o presente com minha visão de futuro. Assim a Igreja é uma seta que indica o futuro e já deve construir espaços de reino de Deus no mundo presente e assim trabalhamos para a mudança em nosso redor, para melhorar o espaço em que vivemos, mesmo antes da manifestação plena do reino de Deus no futuro.

Não devemos apenas pregar a justiça social, mas viver um estilo de vida que exerça influência sobre a sociedade. Quando eu aceitei o Evangelho na minha vida, era um adolescente. Era católico, tinha estudado em Seminário para ser padre. A parentela toda se virou contra mim a partir do patriarca, o meu avô. Com o tempo todos foram chegando, o último foi meu pai que se batizou na Igreja Evangélica com 82 anos e morreu com 83. Naquela época, meados da década de 50, a mensagem era: vamos pregar e evangelizar para mudar nossa sociedade. Veja as nações protestantes do mundo que são as mais avançadas social e economicamente. Assim eu participei da tarefa de pregar em praças públicas, erguer tendas de lona em vários lugares e implantar igrejas. O objetivo era trazer o povo para o Evangelho, uma vez que a maioria era católico nominal e nem freqüentava a Igreja. Naquela época calculo que a população dos chamados “crentes” (depois o nome evangélico se tornou mais chique) era de cerca de 3 a 4 por cento. Tudo ia bem até a década de 70 crescendo gradativamente com qualidade. A partir daí explodiu e hoje somos 20 por cento e a nossa população está pior, nos vícios, na corrupção e na violência, incluindo evangélicos. Absorvemos a cultura corrupta e não mudamos nada. Veja na política e nos jovens nos órgãos de correção e veja o percentual de descendentes de evangélicos. Felizmente há vozes de esperança que estão soando no meio evangélico, mas ainda estão como que clamando no deserto.
E nós fazemos o que pelo nosso país e nosso povo? Não adianta elegermos políticos que particularmente vai trazer benefícios para nós e por nossa causa e assim termos uma parcela no poder corrupto. Temos sim que fazer movimentos exigindo das autoridades justiça social. Lembro do ex-governador, Cláudio Lembo, político de direita, ligado ao Makenzie. Ele disse que a situação não vai mudar enquanto a elite riquíssima do Brasil não quer abrir mão de seus privilégios. Note que ele disse privilégios e não direitos. Por exemplo: temos que fazer as reformas tributárias, mas não deixam porque os ricos não querem pagar impostos com suas riquezas; são os assalariados e poucos empresários que arcam com os impostos, além disso as mercadorias que são taxadas com altos impostos; não deixam fazer a reforma a reforma política porque esta descentraliza o poder de distribuição das verbas para o município e isto tira a intermediação dos políticos para distribuição, ainda tira a possibilidade de propinas; querem que as taxas de juros permaneçam altas porque os bancos levam tremenda vantagem além disso tem o problema da dívida interna. Pagamos a dívida externa; por que não pagar a interna? É que as elites são donas dos papéis da dívida do governo e com a taxa de juro elevada o governo tem que lhes pagar altas somas de juros e por isso não sobra verba para a educação, saúde e segurança pública. Calcule que há países onde a taxa é de meio ou um por cento ao ano; no Brasil foi reduzida pela metade e ainda é de 8,5 por cento e estão falando de subi-la novamente em vez de baixá-la. Por que não fazemos nada? Temos um congresso dominado por poderosos e os que lá entram não fazem nada, porque se tentarem fazer alguma coisa serão retalhados e têm que ficar embaixo da direção de seus partidos. Que faz a chamada bancada evangélica? Nada. Em grande parte partilha das corrupções. Nós as igrejas temos que gritar e exigir. Fazer movimentos. Não passeatas que só servem para os lideres mostrarem aos políticos quantos votos têm sob seu comando e assim terem vantagens com eles. É necessário formar movimentos sérios e éticos.

É por causa dessas distorções que temos um país rico e povo pobre. Uma das ocasiões em que estive na Suécia, tive um encontro com um dos líderes de uma entidade social que dá ajuda para projetos sociais em várias partes do mundo. Expus a ele meu plano de fazer uma parceria para projetos no Brasil. Ele me respondeu que não ia mais canalizar ajuda para projetos para o Brasil. Pois vocês são uma nação rica, o que falta é vocês trabalharem para que haja justiça social lá. O trabalho é de vocês e vocês podem eliminar a miséria no seu país, exigindo justiça social das autoridades. Confesso que saí da reunião arcado com o peso da vergonha.

É que temos no Brasil uma pirâmide social. 10% do topo da pirâmide, a elite, fica com 45,7% da renda nacional e os outros 54,3% para o restante 90% da população. Estes 54,3% da renda fica quase tudo para a classe média alta e classe média baixa que também não abre mão de suas vantagens; é a classe consumidora para manter a economia. Sobra pouco para a base da pirâmide empobrecida e desamparada. Calcule que os 10% mais pobres ficam com apenas 1%. [8]

Muitos querem dizer que são esses pobres que geram a violência. Puro engano, embora haja também pobres envolvidos em violência. É que cada um em qualquer estágio da pirâmide sempre quer subir sempre um degrau a mais e isto ele vai fazer mesmo que pise nos outros e cometa violência física o viole o direito dos outros. Meu filho foi assaltado juntamente com a namorada. Os assaltantes levaram o carro e eles também. Deixaram-nos no meio do mato com um grupo que estava lá esperando e saíram com o carro. Ficaram a noite sob a mira de revólveres e ele teve que ficar sem camisa, com chuva e tudo, pois segundo os bandidos a camisa dele era branca e chamava a atenção. Eu estava viajando e minha família e a da moça foram à polícia fazer queixa do desaparecimento. No outro dia, às 6 horas da manhã, devolveram o carro para o casal e deixaram que eles fossem embora. Mas durante à noite meu filho, que sabe muito mais do que eu manter a calma bateu papo com eles. Eles lhe confessaram que eram uma quadrilha que assaltava postos e só iam parar quando tivessem uma bela casa no litoral e um iate. Eram integrantes da classe média. Isto já faz mais de 15 anos. Vemos aí como é o consumismo desenfreado que atinge classes mais elevadas e as leva a cometer crimes.
Veja também o que acontece nos cultos de prosperidade? Pessoas que querem “conseguir” a todo custo, mesmo que tenha que pisotear os outros, dizendo que querem as bênçãos de Deus, se valendo dum sistema econômico injusto. Não vou desenvolver este tema mas deixo aqui uma afirmação para ser pensada: o consumismo desenfreado não é o maior pecado dos cristãos hoje? Onde está a voz profética?
Alguém me confrontou dizendo: mas você não falou do aspecto positivo do calvinismo e sua visão de mundo? Ele não valorizou a prosperidade material? Não é isto que o grande sociólogo Max Weber[9] diz ao afirmar que o protestantismo foi um dos fatores do surgimento do capitalismo? Verdade, mas este foi um caso diferente: é porque o desenvolvimento das idéias calvinistas chegou ao ponto de dizer que a prosperidade material era o sinal da eleição divina. Sendo assim muitos acumularam riquezas, por quê? Exatamente porque não gastavam em supérfluo porque isto era considerado pecado. Tinham vida fugaz, isto é, simples e ao mesmo tempo faziam mais fortuna com seu capital poupado. A teologia da prosperidade atual, pelo contrário, ensina ganhar mais e mais e consumir mais e mais. Se tenho um carro bom quero um melhor, um importado e assim a insatisfação é constante, nada de vida simples dos calvinistas puritanos, que achavam que a gastança era mundanismo e pecado.


VI - A MISSÃO PROFÉTICA É DE SACRIFÍCIO

Jesus disse que como ele foi perseguido assim farão aos seus seguidores, pois o discípulo não é superior ao mestre. Quem não tomar a sua cruz e não seguir após mim não poderá ser meu discípulo. Como vimos, Jesus se considerou na linhagem profética por isso mandou o recado para Herodes que continuaria sua tarefa sem se preocupar com o intuito de Herodes para matá-lo. Mas no dia próprio iria para Jerusalém “para que não aconteça que um profeta morra fora de Jerusalém”, Lc 13.33. Jesus se identificou com a linhagem sofredora de profetas. Nunca se chamou a si mesmo de Messias, para que o povo não pensasse que ele seria um grande vencedor político como esperavam. Todavia nunca negou ser ele o Messias. Como já vimos, ele se referia a si mesmo como o “filho do homem”. Com isto ele se identificou com o servo sofredor de Isaías 53. A figura do profeta perseguido e sofredor no Antigo Testamento tem sua culminância em Jeremias. Sua mensagem escrita foi rasgada, desprezada; ele foi preso, jogado no poço de lama; levado para o Egito, porque dizia que não adiantava resistir o rei de Babilônia. Esta figura do sofredor por amor ao povo ganha cores vivas e poéticas no Dêutero-Isaías, Is 53. Jesus assume esta figura e a transmite aos seus. Eles seriam também perseguidos; receberiam o mesmo batismo de martírio que o seu mestre. Não foi difícil os apóstolos usarem o texto de Isaías para falar do sacrifício remidor efetuado por Jesus. Morreu por nossos pecados. É verdade que esta doutrina da redenção é colocada de modo que extrapola o sentido bíblico. Para começar a doutrina da satisfação de Santo Anselmo, muito defendida pelos evangélicos, não tem base bíblica.

O sentido em que Cristo sofreu por nós, leva muitos a interpretarem a preposição “por” dando um sentido de substituição. Está certo, mas há o aspecto de que Cristo sofreu a nossa morte, mas isto não significa que não tenhamos de morrer e sofrer com ele. Ele veio ser solidário ao nosso sofrimento, veio sofrer conosco, para que pela sua vitória na ressurreição, nós também fôssemos vitoriosos. Assim ele fez o sacrifício da expiação, mas nós fazemos o sacrifício da proclamação, do querigma evangélico. Paulo diz: “Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja." Col.1.24. Este verso não quer dizer que o sacrifício de Jesus não foi completo e precisou ser completado por Paulo. Paulo diz “cumpro da minha parte a favor da Igreja, que é seu corpo”, mas cada membro do corpo tem também que cumprir sua parte nas lutas para levar a evangelização avante. Paulo ainda diz: “Participa comigo das aflições do Evangelho”, II Tm 1.8 e o autor do Apocalipse, 1.9: "Eu, João, que também sou vosso irmão, e companheiro na aflição, e no reino, e paciência de Jesus Cristo, estava na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo.” Paulo ainda a Timóteo diz: “Palavra fiel é esta: que, se morrermos com ele, também com ele viveremos; se sofrermos com ele, também com ele reinaremos, se o negarmos, também ele nos negará.” II Tm 2.11,12.

VII – A MISSÃO QUE DEVE SER PROFÉTICA SE MUDA EM SACERDOTAL PELOS LÍDERES QUE BUSCAM GLÓRIA

Como vimos, a missão profética foi sempre dolorosa, com sacrifício, pobreza e martírio: "Meus irmãos, tomai por exemplo de aflição e paciência os profetas que falaram em nome do Senhor", Tg 5.10. A tarefa sacerdotal foi quase sempre uma posição de status social, geralmente abundante financeiramente. Aqui chegamos em um ponto em que nosso pensamento entra num terreno polêmico com as práticas atuais nas igrejas. Até o final da década de 60, as igrejas se ajoelhavam para orar. Quando eu fiz Seminário, começávamos o dia com pelo menos meia hora de oração; uma vez por mês passávamos o dia em oração na sala de aula; horas de joelho. O meu reitor tinha as calças encurvadas no joelho por causa de ficar tempo nessa posição. Ah! Quanta saudade! Os pastores ensinavam cada um buscar de joelhos a Deus em suas necessidades. Hoje raramente isto acontece. Nas igrejas católicas ainda o povo ajoelha e os bancos têm local para se ajoelhar, mas nós protestantes evangélicos não ajoelhamos. Em geral as pessoas pedem que os pastores e presbíteros (em certos cultos: apóstolos e arcanjos) apresentem seu pedido a Deus. Elas mesmas parecem não terem confiança em Deus para se dirigir a ele; precisam dum intermediário, como um sacerdote. Isto mostra que as pessoas se sentem longe da comunhão com Deus. As igrejas, em grande parte nem sabem ensinar isto. Os pastores ou outros líderes, por outro lado, assumiram essa posição de que eles sim têm o poder de Deus e têm as condições de orar em lugar da igreja. Eis aí: voltaram a ser sacerdotes, como tendo eles exclusivamente o privilégio de entrar na presença de Deus. Nosso ministério se transformou de profético para sacerdotal. A Igreja não é mais uma comunidade onde todos, inclusive os pastores são ovelhas e todos precisam um dos outros na comunhão cristã, inclusive os que têm título ministerial precisam de todos os demais. A Igreja não é mais esta comunidade. Aliás, não se pode nem mesmo dizer que seja igreja, mas uma massa de povo com um líder ao qual se atribui o poder de manobrar Deus a favor do povo. Com isto multidões ficam vagueando de um lado para outro procurando o líder de maior poder. Se não consegue com um; vão tentar com outro. No nosso entender a igreja verdadeira é um corpo onde cada membro precisa de outro, inclusive o pastor, bispo, que se dê o título que achar conveniente, mas não querer monopolizar o direito de pedir a Deus e querer aparecer nos holofotes para usufruir fama e dinheiro, inclusive no mercado religioso que cresce até mesmo em tempo de crise. Os pastores precisam levar o povo a ter contato com Deus e cada um orar e pedir. Precisamos recuperar os cultos de oração de joelho, não de apenas alguns minutos de oração. É a igreja (todos os membros) e não apenas os que têm cargos ministeriais.

Agora volto à mensagem profética da Igreja. Há décadas atrás os crentes testemunhavam: agora aceitei Jesus e estou salvo, se morrer agora tenho certeza da vida eterna. Ou seja: a fé cristã colocava a pessoa feliz com a vida e vitoriosa no presente com uma perspectiva futura de esperança. Agora não se ouve ninguém mais falando isto. Só contam os sucessos de livramento dos perigos, as vitórias profissionais, conquistas financeiras etc. Lógico tudo isto é bom, mas as pessoas não vivem uma vida fora dos temores que tornam o mundo desesperado. Ouço testemunhos do tipo:- depois que vim para a igreja a minha vida mudou. – Mudou em quê? a vida financeira melhorou. – E daí? Há multidões de pessoas que nem pensam em Igreja também podem dizer que a partir de certo momento melhorou a vida financeira. Se o fato de atingir vida financeira próspera for servir de base para vida cristã, o que dizer do Japão, onde o povo vive vida financeira próspera e no entanto só há meio por cento de cristãos, incluindo católicos, protestantes e testemunhas de Jeová. As igrejas ficaram mundanas, isto é, secularizadas. É lógico que acredito que Deus cuida dos seus inclusive com coisas materiais, mas o que é importante para mim é que minha fé me ajuda a superar todos as dificuldades da vida inclusive quando chegar a morte da qual sempre nos aproximamos mais e mais. O importante é que em quaisquer circunstâncias, boas ou ruins eu estou em Cristo, como diz Paulo. Eu não fico esperando, que como cristão, nada mal , como uma doença, ou que um acidente, venha me acontecer. porque acho que Deus me guarda de tudo. Vai chegar o momento que essa teologia vai decepcionar. Não existe isto na Bíblia. O Pr. Ricardo Gondim diz: “Procuro ajudar pessoas a não perderem a fé porque tinham expectativa de cura e acabaram se frustrando...Procuro mostrar que os silêncios divinos não são descaso ou desamparo, mas a condição, a maneira, como Deus organizou o mundo.”[10] Por isso que as estatísticas oficiais constam cada vez mais pessoas sem religião, incluindo os filhos dos evangélicos. Andam de uma igreja para outro e vêem que isto não acontece, se afastam. Não ficam incrédulos, mas decepcionados com os ensinos destorcidos da igreja.

CONCLUSÃO
A minha pergunta é: temos ou não temos um evangelho capaz de dar segurança interior pela fé para o indivíduo e também capaz de ser o sal da terra, como disse Jesus, a ponto de influir na sociedade para transformá-la e preservá-la para que não deteriore, onde a justiça se imponha sobre as injustiças? No mundo sempre há pecados, injustiças e corrupção, mas como o sal tem a capacidade de impedir a podridão total, nós devemos funcionar como o sal, no dizer de Jesus e também como luz na escuridão, Mt 5.13,14.

Também pregamos uma doutrina segundo a qual Cristo já sofreu todo o sofrimento; não temos que sofrer, agora tudo é graça. Aí que está: pregamos uma doutrina errada da graça – “graça barata” como diz Bonhoeffer[11] oxalá os pregadores aprendessem fazer exegese de textos, dedicassem tempo nessa tarefa, então o povo seria alimentado espiritualmente e a vida cristã não seria tão vazia, tão fraca, tão chã, como a vemos hoje. Teríamos um púlpito rico da Palavra de Deus, ao invés dos chavões e expressões triunfalistas, vazias de conteúdo como acontece.

Para finalizar, o que significa assumir a missão profética:
“Por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama; como enganadores, e sendo verdadeiros; como desconhecidos, mas bem conhecidos; como morrendo, e eis que vivemos; como castigados, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como nada tendo e possuindo tudo, II Co 6.8-10.

Esta é a mensagem profética que leva ter uma vida autêntica, sem ela o povo perece, PV 29.18. Devemos preferir ser profetas, embora sofrendo, a ser sacerdotes, nos holofotes com glória e dinheiro.

[1] Veja no livro I Macabeus, Bíblias de Edições Católicas. As Edições Protestantes não têm este livro.
[2] Joaquim Jeremias, Teologia do Novo Testamento, Ed.Paulias, pgs 127-128, 1977.
[3] Veja: Bandidos, Profetas e Messias – Movimento Populares no tempo de Jesus, Richard A.Hosley/John S.Harison, Paulus 1985.
[4] Rodney Stark, O Crescimento do Cristianismo – um sociólogo reconsidera a história, Paulinas, São Paulo 2006.
[5] Veja Antonio Gouveia de Mendonça – O Protestantismo latino-americano entre a racionalidade e o misticismo, em Revista Semestral de Estudos e Pesquisas em Religião, nº 18, junho de 2000 – São Bernardo do Campo.
[6] Eduardo Pereira de Magalhães, A Marcha da Mocidade Evangélica – Centro de Divulgação Cultural – São Paulo, 1938.
[7] Conferências editadas em: Vida Esperança e Justiça – Um testamento teológico para a América Latina, Editora da Faculdade de Teologia (Editeo) São Bernardo do Campo, 2008. email: editeo@metodista.br
[8] Dados do IBGE, fornecido pelo CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas). Dados de 2001. Nos últimos houve uma melhora de 9%.
[9] Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo – Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, - São Paulo 1999.
[10] Ricardo Gondim, Direto ao Ponto – ensaios sobre Deus e a vida, pg 49, X doxa, 2009.
[11] A graça barata é a pregação sem perdão sem exigir arrependimento, batismo sem disciplina na igreja, comunhão sem confissão, absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, graça sem cruz, graça sem Jesus Cristo vivo encarnado. Citado por Tony Lane em Pensamento Cristão, Vol.2, pg 122 – Abba Press – São Paulo 1894.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Códice Sinaítico (texto revisado)
Vez em quando algum órgão da imprensa publica uma reportagem de assunto já há muito conhecido e o tom jornalístico é como se fosse um furo de reportagem e passa a idéia ao público, menos avisado, que se trata de algo recente. Ainda mais, como em muitos casos o assunto não é do domínio do jornalista, a matéria não fica clara para o público e passa a ser divulgada de maneira distorcida. Haja vista a matéria divulgada sobre o Códice Sinaítico, já conhecido e estudado desde o final do século XIX, amplamente estudado pela crítica textual e usado nas versões modernas da Bíblia, especialmente no Novo Testamento. O público mal informado tece vários tipos de comentários mostrando o malintendido. Por ex: "agora os incrédulos (a respeito das Escrituras) serão calados". Este comentário afirma duas coisas: 1) o texto sinaítico é uma prova incontestável da validade das Escrituras para o crente se vangloriar;2) que o assunto é uma novidade, no uso da palavra "agora". Uma pessoa espírita comenta: "os kardecista já sabiam disto há muito tempo", como quem diz que os que se vangloriam o estão fazendo com um século de atraso.
Outro ponto que fica mal entendido é pensar que o Sinático, que segundo eruditos é da primeira metade do século IV (300 a 350 d.C.), seja o manuscrito mais antigo do Novo Testamento ou da Bíblia. Talvez seja o manuscrito mais antigo do Novo Testamento completo; pois há muitos manuscritos do II e III séculos, mas que não contêm o N.T. completo; alguns são de apenas algumas páginas de papiro ou pergaminho, como é o caso de um manuscrito codificado como P52. Ele tem um tamanho aproximado de 6,5 x 8,5 cm, contendo 5 versos do Evangelho de João, de um lado os versos 18.31-33 e do outro os versos 18.27,38. Este documento é o mais antigo conhecido do N.T. e data de cerca de 125 d.C. Estes documentos, inclusive o Sinaítico, são escritos no Grego Koiné, língua franca nos primeiros séculos do cristianismo.
O Códice Sinático foi "descoberto" em meados do século XIX no mosteiro Santa Catarina, da Igreja Ortodoxa Grega, na península do Sinai. Seu descobridor foi o erudito Von Tischendorf, professor em Leipzig que viajava a serviço do Rei Augusto da Saxônia em busca de manuscritos. A primeira vez que esteve no convento tomou conhecimento da existência de documentos antigos da Septuaginta (versão do A.T. para o grego. de antes de Cristo). Em outra visita tomou conhecimento do documento que depois se chamou Códice Sinaítico. Depois de tentativas com os monges, conseguiu que o documento fosse doado ao Czar russo, grande protetor da Igreja Ortodoxa Grega. O documento foi levado para a Biblioteca Imperial de S. Petersburgo e o Czar deu uma generosa oferta de 7.000 rubros para o convento do Monte Sinai e 2.000 rubros para o convento do Monte Tabor. Em 1933 o governo comunista da Rússia vendeu o documento por 100.000 libras esterlinas para o Museu Britânico, onde permanece.
Há outros dois documentos "irmãos" do Sinaítico: trata-se do Vaticano que veio ao conhecimento público depois do Sinaítico mas já constava no catálogo da Biblioteca do Vaticano em 1481. São muitos parecidos, com pouca variação textual. Todavia, no documento Vaticano faltam os seguintes textos: Hebreus 9.15-25; 1ª e 2ª Cartas a Timóteo, Tito, Filemon e Apocalípse. Outro documento parecido com o Sinaítico é o Códice Alexandrino, mas considerado de qualidade inferior pelos experts. Há um concenso que os três documentos tiveram origem num texto tronco comum que circulava no Egito no II século. Convém salientar que o Egito e Norte da África abrigou grandes centros cristãos. Alexandria no Norte do Egito tinha a maior biblioteca do mundo e lá no II século funcionou o primeiro "Seminário" de que se tem conhecimento. Orígines, um dos primeiros pais da igreja, foi nomeado em 203 d.C. como diretor dessa Escola Catequética.
Interessante ainda é que Orígines citou tanto os textos que hoje compõem o N.T., que só reunindo os textos citados por ele das cartas apostólicas e evangelhos é quase possível montar todo o Novo Testamento.
Bibliografia Básica:
1)Crítica Textual do Novo Testamento, Wilson Paroschi, Soc.Rel.Edições Vida Nova,SP
2)O Novo Testamento, Cânon, Língua e Texto, B.P.Bitencourt, JUERP/ASTE, SP, 1984.
3)Exegese do Novo Testamento, Uwe Wegner, Ed. Sinodal e Paulus, S.Leopoldo, 1998.

domingo, 5 de julho de 2009

PESQUISA FRACASSADA

A ONU resolveu fazer uma pesquisa em todo o mundo. Enviou uma carta para o representante de cada país, solicitando a opinião deles, sobre o seguinte tema:

"Por favor, diga honestamente, qual é a sua opiniao sobre a escassez de alimentos no resto do mundo"

A pesquisa foi um grande frasso! Sabe porquê?
Nenhum dos países europeus entendeu o que era "escassez";
Os africanos... não sabiam o que era "alimentos";
Os cubanos estranharam e pediram maiores explicações sobre o que era "opinião";
Os argentinos desconheciam o significado de "por favor";
Os norte-americanos nem imaginavam o que significava "resto do mundo";
O congresso brasileiro está, até agora, debatendo o que é: "honestamente"!

(a pessoa que me passou o texto acima não me deu a fonte)

sábado, 4 de julho de 2009

MOLTMANN NO BRASIL
Apparecido Maglio
Jürgen Moltmann foi um dos teólogos que mais influenciaram a teologia na segunda metade do século XX, com sua “Teologia da Esperança”[1] e continua um dos expoentes teológicos que, ainda neste século XXI, atrai estudiosos protestantes e católicos. Esteve, nos dias 27-31 de outubro, visitando o Brasil, passando pelo Rio de Janeiro e São Paulo. Na Universidade Metodista em São Bernardo do Campo fez conferências, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” e lançou um novo livro. Sua adesão ao cristianismo se deu quando era prisioneiro dos ingleses na segunda guerra mundial. Nesse mundo de sofrimento e pela tristeza das conseqüências da guerra, principalmente quando soube do absurdo que seu governo alemão praticava nos campos de concentração, estava deprimido e desesperançado. Lendo a Bíblia que recebera de um capelão inglês, foi tocado ao ler o Salmo 39. Depois lendo no evangelho de Marcos as palavras de Jesus na Cruz “Deus meu por que me desamparaste?” Ele testemunha: “naquele instante e naquele lugar, no escuro buraco de minha alma, Cristo me achou”[2]. A partir de sua experiência de sofrimento de guerra e de prisioneiro como também na experiência com outros prisioneiros, Moltmann viu quanto vale a esperança na vida humana. Começou a estudar teologia. Quando volta para seu país continua seus estudos teológicos torna-se pastor e professor de teologia.
Visitou várias vezes a América Latina, o Brasil em 1977. Sua obra inspirou Rubens Alves que já vinha desenvolvendo nos Estados Unidos seu trabalho de doutorado, “A Teologia da Esperança Humana” que originalmente chamava de “Teologia da Libertação”, usando pela primeira vez este título antes dos teólogos da libertação. A teologia da libertação pode ser considerada um desdobramento da obra de Moltmann. Em todo caso, depois de mais de cinco décadas de “Teologia da Esperança” havia muita ansiedade para ouvir o seu autor, agora com 82 anos, o que tinha a dizer sobre a esperança. Não decepcionou. Continuou falando do valor da esperança na vida cristã: “Com o futuro de Cristo, queremos dizer um futuro que já se torna presente, sem, todavia, deixar de ser futuro”;[3] “Quando morrermos, sabemos que do outro lado da margem do rio está Jesus. Ele nos espera para a festa da vida eterna.”[4]
A teologia da esperança tem a dizer sobre a vida presente e sobre a vida futura numa perspectiva escatológica em que “Deus será tudo em todos”, I Co 15.28. A escatologia não está fundada em predições mas em promessas de Deus. No Antigo Testamento, o Eterno Deus desce e toma parte no destino de seu povo, visando conduzi-lo à libertação no êxodo-schechinah e no exílio-schechinah. No Novo Testamento a teologia cristã do schechinah se traduz na presença de Deus em Jesus Cristo e no Espírito Santo que são respectivamente a promessa divina que se encarnou e a presença espiritual do Deus vindouro[5]. A ressurreição de Cristo é a promessa definitiva e universal de recriação de todas as coisas, II Co 1.120, Ap 21.5. Toda nova criação e ressurreição já começou com a ressurreição de Jesus. Quando Deus vem a nós através de Jesus: “Jesus vive e nós somos chamados com ele para fora de uma vida que conduz à morte e para dentro de uma vida verdadeira, uma vida nova, que supera a morte”[6]
A esperança num futuro alternativo nos coloca em atitude de oposição, tanto ao presente no qual estamos quanto às pessoas que se vêem atreladas a ele também. “O fundamento da esperança não é utopia ou investigação das possibilidades futuras, mas novo começo e o começo do novo aqui e agora”.[7] Ela nos mantém como seres insatisfeitos, inquietos e abertos até a chegada de Deus. Somente no horizonte escatológico de esperança o mundo manifesta-se como história.[8] O que Moltmann quer dizer é que já vivemos o futuro em Cristo numa atitude de esperança já construindo espaços de nova vida num mundo de morte e sofrimento, pois a vida eterna já começa em Cristo e em nós, vivendo assim uma vida autêntica que não aceita a situação presente no mundo. Mas tendo esperança num mundo futuro recriado poder Deus, já construímos espaços desse futuro nesta vida como sinais do mundo a ser recriado que será a plenificação do reino de Deus.[9]
Moltmann fala também do fim do cristianismo cultural, principalmente na Europa atual. Ele diz que o fim desse tipo de cristianismo conduz ao renascimento da igreja de comunidades voluntárias, autônomas, como a experiência da igreja confessante que contrariamente à igreja alemã, se opôs ao regime nazista. Sendo assim o novo estilo comunitário de igreja comunga com outros grupos comunitários de toda parte e se torna uma sociedade religiosa entre outras na sociedade moderna e se vê como uma comunidade com uma missão universal a todas as pessoas.[10] Em uma de suas palestras ele disse que a tão chamada pós-modernidade morreu no século XX. Hoje na Europa poucos falam em pós-modernismo, pois preferem falar em sociedade pós-secular por causa da religiosidade pluralista sem o cristianismo cultural.





































[1] Teologia da Esperança, Estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã, Ed. Teológica e Edições Loyola.
[2] Vida, Esperança e Justiça – Um Testamento Teológico para a América Latina, São Bernardo do Campo, Editeo, 2008.
[3] Idem, pg 25.
[4] Idem, pg 22.
[5] Idem, pg 30 e 31.
[6] Idem, pg 57.
[7] Idem pg 33.
[8] Idem, pg 32.
[9] Moltmann, Trindade e Reino de Deus, Editora Vozes, Petrópolis, 2000.
[10] Vida, Esperança e Justiça, pg 35.

domingo, 21 de junho de 2009

O QUE SIGNIFICA SER “EVANGÉLICO”
Apparecido Alciso Maglio
(Publicado no Luz nas Trevas, maio de 2008-09-22)
Atualmente se diz que o cristianismo está diminuindo no hemisfério norte e crescendo no hemisfério sul. Nos países de tradição protestante, na Europa, a freqüência regular à igreja vai de 3% a 13%; nos Estados Unidos 38%. Nos países de tradição católica se conta 56% na Irlanda, 54% na Polônia, 32% na Itália e demais países a taxa é baixa também.[1] Com o aumento da secularização, essas taxas tendem a diminuir. O crescimento se dá principalmente na África, América do Sul e Ásia, devido o crescimento de evangélicos, especialmente pentecostais.
Podemos dividir o cristianismo hoje em quatro grandes grupos: 1) As Igrejas Católicas Orientais (Ortodoxa, Copta, Armênia, Síria, Maronita, etc.), ligadas ao ecumenismo católico romano, mas com liturgia diferenciada e administração independente; 2)Igreja Católica Romana que modernamente segue o Concílio Vaticano II, orientada pelo Vaticano através do Papa; 3)Conselho Mundial de Igrejas que reúne as Igrejas Protestantes Históricas e algumas das chamadas Igrejas livres, fundado em 1948, com sede em Genebra, Suíça; 4) O Movimento Evangélico Mundial que pretende ser orientado pelo chamado Congresso de Lausanne (Grandes Congressos de Lausanne, Suíça, 1974 e Manila, Filipinas, 1989) que tem atrás a Associação Evangelística Billy Graham, nos Estados Unidos[2] e gente famosa como o teólogo evangélico (do clero da Igreja Anglicana – Inglaterra) John Stott, que é reputado como expoente máximo da teologia do movimento de Lausanne.[3]
Mas o que significa ser evangélico? No tempo da reforma protestante parece que o termo foi usado dentro do dualismo teológico: obra da lei/fé, lei/evangelho. Parece que o termo Igreja Evangélica era usado em oposição à Igreja Católica Romana. Até hoje, pelo menos no Brasil, temos a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, que vem da Igreja Luterana trazida pelos imigrantes alemães. Quando vieram as igrejas de missões, vindas dos Estados Unidos e Europa é que se apega ao nome evangélico. Daí muitas igrejas como batistas, pentecostais e outras, levarem até no título “Igreja Evangélica ...”. De onde vem esta denominação, influência da reforma protestante? Talvez em parte. Mas o nome evangélico ganhou destaque por causa da posição teológica dentro do próprio protestantismo, principalmente nos Estados Unidos. Em conseqüência do racionalismo e iluminismo do século XVIII, já no início do século XIX, começa o criticismo histórico na teologia bíblica resultando no liberalismo teológico que vai ofuscar a idéia de revelação, de transcendental, de milagres nas Escrituras, principalmente com os teólogos protestantes europeus. Houve uma reação conservadora. Nos Estados Unidos as igrejas até começaram a rejeitar pastores formados em Seminários. Começaram a surgir os institutos bíblicos fundamentalistas para formar pregadores. Esta reação conservadora ficou como uma ala atrasada intelectualmente nos meios teológicos nas igrejas históricas. Com o tempo essa ala começa a crescer e ganhar novamente posição no meio teológico e fundam-se seminários de linha teológica conservadora, como por exemplo a fundação do Seminário de Princeton em 1811 que mantinha a defesa da infalibilidade das Escrituras, contra os críticos. É essa linha teológica conservadora que passa a se chamar de evangélica. Daí o nome evangélico, não se trata de fazer oposição católico/evangélico, mas a posição conservadora contra a liberal dentro do próprio protestantismo. Esta luta continua até hoje nos Estados Unidos e chega a influir na política e na eleição até de presidente, pois para o lado aonde pendem os evangélicos pode decidir uma eleição. Note que não se trata de protestante quando se fala evangélico nos Estados Unidos, porque a maioria é protestante mas não é considerada evangélica. Esta mesma posição há nas igrejas chamadas “livres” na Europa. Esta posição mantém a ortodoxia do protestantismo antigo da reforma, sobre a doutrina.
Em 1923 foi fundada nos Estados Unidos a Aliança Evangélica Mundial que vai resultar no Congresso de Lausanne em 1974 (referido acima).[4] O movimento evangélico a partir dessa organização passa a defender uma missão com ênfase no salvacionismo (salvação espiritual) que passa a nortear missões em todo o mundo, em contraposição ao Conselho Mundial de Igrejas que tendia para o aspecto mais social de missão. O movimento de Lausanne, passou a enfocar o aspecto “Holístico” de missão – a salvação que atinge o ser humano total, sua vida espiritual e o corpo, significando que também deve fazer uma evangelização que inclua a “ação social”, visando o ser humano como um todo, física e espiritualmente. Como a palavra “evangélico” no Brasil se desenvolveu para um sentido que significa “protestante”, isto é, qualquer cristão não católico, os evangélicos da linha de Lausanne, representados no Brasil principalmente pela ala brasileira da Fraternidade Teológica Latino-americana, passou a usar o termo emprestado do inglês “evangelical”. Com isto pretendem fazer diferença entre “evangelical” e fundamentalista, por um lado, porque entendem que o fundamentalismo é uma leitura literalista da Bíblia, sem levar em conta o aspecto histórico-gramatical na exegese bíblica e, por outro lado, do puro social da missão.
Há um grupo no meio “evangelical” que pretende que se deva tomar alguma medida para definir realmente quem é “evangélico” no Brasil, por que entendem que muitos movimentos classificados como evangélicos, ditos neo-pentecostais (como Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça, Igreja Renascer em Cristo etc.) estão longe da doutrina da Reforma Protestante em suas práticas e ensinos. O problema surge quando vai-se fazer a linha divisória para classificar as muitas diversificações, por exemplo: onde classificar a Igreja Deus é Amor? Onde classificar tantos grupos que se formam e aparecem na mídia e proliferam nas periferias das cidades; muitos com nomes esquisitos como por exemplo, “Cuspe de Cristo”?
Surgem sempre outros grupos e divisões mesmo dentro do meio evangélico histórico, às vezes, com pretensões renovacionistas, outras vezes por discórdia de lideranças. Há muitas igrejas com lideranças dominadoras que até passam de pais para filhos e muitos descontentes saem para formar seus movimentos com a mesma tendência “coronelista”. Pregam contra a organização papal da Igreja Católica Romana, mas cada um quer formar o seu movimento onde se tornam “papas”, cada qual quer comandar o seu pedaço, e o pior, sem o Concílio de Cardeais e Bispos que há na Igreja Romana. O pior ainda é que as massas que afluem para as igrejas não recebem a formação ética que antigamente caracterizava a conduta evangélica. Não me refiro somente aos escândalos de lideranças, mas o comportamento do dia a dia dos que se professam “evangélicos”. Isto tem levado muitos a dizerem que não querem mais ser evangélicos e pessoas sérias a mostrarem seu descontentamento. Eu me coloco entre estes. Há mais de 50 anos permaneço membro da Igreja onde fiz minha profissão de fé, da qual fui por 3 vezes pastor, por mais de 40 anos professor no Seminário Batista Independente, mais de 10 anos professor na Faculdade Teológica Batista e 5 anos lecionei no Seminário Presbiteriano, todos em Campinas. Vim de família Católica, estudei em Seminário Católico, ajudei muita missa em Latin; quero permanecer na fé reformada, mas queria trocar o nome “evangélico”, mas como?



[1] Revista Ultimato, setembro/outubro de 2007, pg 19
[2] Tony Lane, Pensamento Cristão, Vol.2, pg 99,100, Ed. Press Abba, S.Paulo, 1999.
[3] Luiz Longuini Neto, O Novo Rosto da Missão, Editora Ultimato, Viçosa, 2002, pg 75
[4] Luiz Longuini Neto, O Novo Rosto da Missão, Editora Ultomato, Viçosa, 2002, pg 27.